Andy Warhol 16mm - Ken Jacobs
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Andy Warhol 16mm - Ken Jacobs

As serigrafias de Warhol são para ignorantes que não sabem nada e não se importam com nada, mas têm dinheiro para queimar, ou para investir. São piadas pop triviais e estupidezes completas, que no máximo surpreendem em sua estupidez, como por exemplo um quarto cheio de retratos idênticos de Mao (instigando-nos a se perguntar onde estão os Hitlers), manufaturados – Warhol chamou seu estúdio The Factory (A Fábrica) – para serem vendidos por um valor mais alto amanhã, embalados pelo mercado de arte especulatório que jogava com a farsa de Warhol. Warhol defecou essas coisas depois que a pintura séria tornou-se difícil para não-especialistas entenderem e apreciarem e quando o marketing passou a demandar um substituto simplório a ser impingido aos aproveitadores do Vietnã, a invasão militar do momento. A não ser como obras de época, as telas são sem valor, inexistindo como pinturas. “O que se vê” à primeira vista, ele insinuou, “é o que há”. Aqueles que as expõem são tolos ou charlatães. A mistificada voltinha diante da mercadoria enquanto se discute a compra, neste caso apropriadamente; e tudo combina bem com o capitalismo.

Ele era um cara sentimental e adorava suas bonecas da Shirley Temple. Adorava todas as bobagens populares de sua infância, a cultura popular em todas as suas expressões, fotos de tabloides, desenhos animados, fofocas de celebridades. Warhol era um boboca estranhamente esclarecido, um artista comercial de sucesso, no cômputo geral.

Ele entendeu o mercado e seu catolicismo o aliviava de qualquer necessidade de melhorar as coisas.

Sua produção de filmes não era, pros seus padrões, lucrativa. Era uma atividade que o estimulava diretamente, em si mesma, menos por razões estéticas do que sociais e voyeurísticas. O dinheiro entraria no jogo mais à frente, tornando-o muito menos disposto a entediar o público; ele na verdade parou sua produção de filmes própria e começou a colocar seu nome em soft porns gays vendáveis, rapidinhas narrativas muito diferentes dos primeiros estudos.

Um desenvolvimento estético de fato se deu no início, no momento em que ele deslizou para um estilo barato e fácil de realizar, e chocante para espectadores que esperavam demonstrações de angústias pessoais e de técnica meticulosa, já que se tratava de cinema de arte. O Cinema Underground fervia. Anárquico e juvenil, era diferente do que o cinema de arte tinha sido até então. Emergindo em Nova Iorque e São Francisco, desafiou toda a censura e as leis de propriedade, assim como as expectativas quanto à forma cinematográfica. Uma arte que se considerava furiosa, aparentemente negligente em sua auto-apresentação – e de forma alguma o termo “indie” se aplicaria aqui. Hollywood estava sob o ataque de fascistas ressurgentes do pós-guerra e os filmes eram – com poucas exceções – abomináveis. O Cinema Underground era a expressão desesperada dos marginais, artistas sem lugar e sem almejar um na fétida América dos anos 50, que já alastrava seu odor pelos anos 60. Eles se permitiram experimentar com novas formas de vida e de arte. Warhol ainda estava no armário quando viu Flaming Creatures, de Jack Smith.

A possibilidade lhe ocorreu. Warhol ou algum de seus parasitas artísticos pensou em fazer retratos em tomadas ininterruptas de si mesmos com uma câmera de filmar silenciosa na duração completa de um rolo 16mm de 33 metros, normalmente filmado a 24 quadros por segundo e então projetado a 16 quadros por segundo; a câmera lenta adicionando peso e pungência aos aspirantes que caíssem na rede – ou superstares, como Jack deliriosamente os proclamou – diante de sua câmera. E estes filmes logo despertaram a atenção de Jonas Mekas, que escrevia sobre cinema para o The Village Voice e vinha abrindo espaço para o novo cinema em Nova Iorque. Depois dos retratos silenciosos, vieram os filmes sonoros com a Auricon. A Auricon tinha sido usada apenas para reportagens de noticiário. Ela podia filmar quase meia hora de filme e acrescentar uma trilha mono low-fi. Estes seriam os novos retratos de uma tomada só e sem edição, brutos e imediatos. Um excelente novo cinema, que exigia muito do espectador e dava em retorno uma fidelidade absoluta a um momento fugidio singular. Aí vieram as pequenas peças teatrais... e minha atenção se desviou.

Assim como tudo o que ele assinou, os filmes eram obras coletivas. Eu gerenciava o cinema e não lembro de ninguém de seu grupo se dedicar a de fato assistir a um filme, nem ele mesmo. Nas noites em que tinha público, eles às vezes vinham desfilar antes do filme começar. Ele uma vez apareceu sozinho durante Sleep, anunciado como um filme de oito horas de um homem dormindo. Na verdade eram em torno de 40 minutos repetidos até a sala esvaziar, projetados na velocidade dos filmes silenciosos para estender ainda mais. O filme enfureceu nosso projecionista, que me deixava sozinho com ele na sala geralmente vazia. Tratava-se de um truque feito para ser comentado mas não assistido de fato, e eu terminei gostando. Por mais pão-duro que fosse Warhol, por mais improvisado e desleixado que fosse seu gesto espertalhão, a cópia barata em preto-e-branco era excepcionalmente granulada. O projetor em câmera lenta permitia que se pudesse simplesmente identificar cada grão da emulsão, cada um com um tempo de vida da duração de um único frame, e desta tempestade pontilista surgia o corpo dormindo que respirava ponderosamente, uma cordilheira montanhosa ao longo da superfície da tela, expandindo-se e desmoronando a cada exalação estendida. Um rádio de bolso na sacada tocava silenciosamente como se viesse de um quarto de hotel próximo. Ele me perguntou o que eu achava. Minha única objeção era o rádio, inteligente mas atmosférico e distrativo em relação àquilo a que eu de fato dava valor: o simultaneamente rápido e lento e grande e pequeno, as realidades conflitantes do homem que dorme e do filme. Eu não esperava que considerações estéticas fossem significar algo para ele, mas o rádio sumiu depois que conversamos.

Ken Jacobs, 7 de fevereiro de 2011, Nova Iorque.

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